Qual é o preço do desmatamento ilegal para o clima?
Ciência apoia Judiciário a quantificar e valorar o dano climático em ações judiciais Livia Laureto 26/09/2024|05:30 Crédito: Unsplash A crise climática global já é uma realidade em todo o planeta. O aumento na frequência e intensidade de eventos extremos como secas históricas, recordes de temperaturas e enchentes destacam a urgência de ações para mitigar esse cenário. Desde a Revolução Industrial, a intervenção humana no ambiente tem sido uma das principais causas do aumento exponencial da emissão de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera. No Brasil, o desmatamento é o principal fator. A perda de vegetação nativa libera o carbono estocado nas plantas. Este elemento, associado ao oxigênio, transforma-se no CO2 (dióxido de carbono) – um dos principais gases com potencial de efeito estufa. Com as recentes queimadas, só a Amazônia passou a emitir 60% a mais de GEE em relação ao ano passado. Dados do Observatório do Clima mostram que, de junho a agosto de 2024, os incêndios na região emitiram 31,5 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera. A urgência de se mitigar a crise climática tem impulsionado ações em todo o mundo. Entre tantas iniciativas, a inclusão do dano climático em ações judiciais tem sido aplicada em todo o mundo. Em muitos casos, a justiça tem facilidade em identificar os responsáveis pelas grandes emissões, sejam eles grandes empresas ou grileiros de terra que desmatam ilegalmente. Ao incluir o dano climático no âmbito judiciário, futuras emissões tendem a ser coibidas devido às sentenças com aumento significativo do valor final. De acordo com a Juma – plataforma de litigância climática no Brasil–, a primeira ação a incorporar o dano climático no país é de 1996. Desde então, são 88 ações contabilizadas até junho de 2024, sendo 2020 o ano com maior número de casos registrados. Este aumento ressalta a necessidade da adoção de métodos padronizados e cientificamente embasados para estimar e precificar o dano ao clima global. Alinhado a este objetivo, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) lançaram nota técnica com diretrizes para quantificar e precificar os danos climáticos decorrentes da perda de vegetação florestal. Mais recentemente, no último dia 17, a metodologia foi aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através do Protocolo para Julgamento de Ações Ambientais. Com o apoio técnico do IPAM, o método embasa-se na ciência para a quantificação do dano climático decorrente do desmatamento e das queimadas. A estimativa do dano, neste caso, baseia-se na emissão de CO2 a partir do cálculo de estoques de carbono, disponíveis na plataforma Calculadora de Carbono (CCAL). Desenvolvida pelo IPAM, a plataforma possui dados de estoque total de carbono provenientes da Quarta Comunicação Nacional. Além disso, são utilizadas informações de regeneração da rede Mapbiomas, da qual o IPAM faz parte, e de desmatamento, do Prodes. A plataforma cobre todo o território nacional, com dados para os seis biomas brasileiros: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa. Para acessar o estoque de carbono, seleciona-se o ano anterior ao qual ocorreu o desmate. A calculadora traz dados até 2022 e pode ser acessada pelo público em geral. Os filtros possibilitam selecionar áreas como unidades de conservação ou terras indígenas, bem como estados ou biomas inteiros, fornecendo informações que podem ser exploradas para além do cálculo do dano climático. No caso específico do cálculo e precificação do dano climático, o CNJ propõe, a partir do estoque de carbono na área desmatada no ano anterior, converter o carbono em dióxido de carbono. Assim, obtêm-se a quantidade de gás carbônico emitida na atmosfera proveniente do desmatamento. E quanto custa essa emissão? A precificação vai utilizar o valor de US$ 5, estabelecido pelo Fundo Amazônia. Apesar da grande variação no preço do carbono mundialmente, a adoção do valor proposto pelo Fundo Amazônia é o único estabelecido nacionalmente. Sendo assim, a aprovação do Protocolo pelo CNJ representa um marco histórico no âmbito da justiça climática nacional. Incorporar as consequências climáticas de atividades como desmatamento e queimadas ilegais possibilita um julgamento mais próximo do impacto real destas ações, mesmo que ainda não incorporados outros danos ambientais e sociais causados pelos extremos climáticos. O aumento significativo no valor das sentenças após a inclusão do dano climático, associado à incorporação da compensação ambiental de forma específica, precisa e clara, faz com que o montante de pagamento por dano climático ultrapasse possíveis lucros obtidos com o desmatamento ilegal. Isto torna a prática ilegal menos interessante do ponto de vista econômico, potencialmente enfraquecendo este tipo de crime. Considerando a emergência global, o papel da ciência e da justiça no controle do desmatamento é crucial para reduzir as emissões provenientes da maior fonte de GEE no Brasil. Ao estimarem o dano climático que a derrubada e queima da floresta geram, agentes da justiça podem basear-se cientificamente as ações contra a destruição florestal. Uma importante ferramenta para evitar o colapso climático e prejuízos não apenas para o clima, mas para a economia do Brasil e o futuro de todos. LIVIA LAURETO Pesquisadora do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia)